segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Justiça de vidro


Hoje fui ao velhinho Palácio da Justiça no alto do Parque Eduardo VII para tratar de um assunto relacionado com uma divida minha de há dez anos atrás,quando não paguei uma despesa de mil contos derivada da ida para estudar no estrangeiro de uma das minhas filhas. Finalmente decorrido todo este tempo sou obrigado a pagar pois a cobrança coerciva já se encontra na fase de penhora.Como não podia deixar de ser,ao fim de uma década,em que o processo deve ter andado a passear-se pelos corredores dos meandros da justiça,este chega finalmente ao fim obrigando-me a pagar cerca de 10 mil euros, já com juros e custas incluídas,ou seja mais ou menos o dobro do valor inicial.
No Palácio da Justiça sou informado que o assunto já não era ali mas sim no novo Complexo Judiciário que está a ser instalado no Parque das Nações. Para lá me desloquei e depois de muito procurar ao redor da Gare do Oriente e do C.C. Vasco da Gama,acabei por ser informado que as novas instalações do Ministério da Justiça eram uns prédios que se encontram no topo Norte da rua principal. Eu nem queria acreditar no que estava a ver quando finalmente lá cheguei.Uma meia dúzia de altas torres de luxo totalmente envidraçadas,orientadas estrategicamente em relação á vista do Rio e respectiva Ponte Vasco da Gama, unidas entre si por um vasto complexo de estacionamentos,pátios e escadarias monumentais. Ao que parece inicialmente aquela belíssima estrutura arquitetonica,fora concebida para ser um grande condomínio habitacional, onde impera o luxo e a harmonia do vidro reflectindo o azul do céu que se confunde com o das águas do Rio.
Foi precisamente para este local de sonho que o nosso brilhante Ministro da Justiça entendeu que deviam ser instalados todos os Tribunais,que inicialmente estavam previstos na hipotética Cidade Judiciária projectada para o Concelho de Oeiras e que nunca chegou a ser construída.O Tribunal Criminal da Boa Hora,bem como o outro que se encontra perto da Maternidade Alfredo da Costa, serão desactivados e transferidos brevemente para aquelas novas instalações.Ao que parece,também alguns dos serviços que estão actualmente no Palácio da Justiça,também para lá vão como pude verificar hoje ao procurar um simples Juízo Cível de execução.
Devem ser os sinais do tempo! Em plena crise, como não á dinheiro para se construir uma Cidade Judiciária, aproveitando uma eventual dificuldade financeira daquele promotor imobiliário, aluga-se todo um complexo de luxo situado numa das zonas mais nobres da cidade,pagando uma renda mensal que certamente rondará umas dezenas de milhares de contos,(ainda bem que é em contos e não em euros,pois já ninguém se deve lembrar deles e assim dá menos nas vistas).
Contos ou euros vai tudo dar no mesmo. Eu referi-me propositadamente há moeda antiga para dar uma dimensão geral da grandiosidade do absurdo desta despesa. Não há dinheiro para salvar os salários dos trabalhadores das empresas que estão a falir diariamente. Não há dinheiro para baixar os impostos pelo menos até valores anteriores ao aumento do IVA. Não há dinheiro para contratar novos funcionários judiciais para impedir que um simples processo de uma divida ridícula demore dez anos a chegar ao fim. Não há dinheiro nem para mandar cantar um cego,conforme afirma a líder da oposição. Mas,pelos vistos,há dinheiro para alugar este autêntico "elefante de vidro",digo elefante branco,que representa este novo Complexo Judiciário.
GRANDES NEGÓCIOS que devem estar por detrás disto. Gostaria de saber quanto,quem e como vão ser recebidas as LUVAS por fora...Há dez anos atrás deixei de pagar uma divida de mil contos. Hoje sou obrigado a pagar o dobro. Fazendo as contas á inflação do aumento do custo de vida,verificamos que mil contos naquela época tinham um poder de compra pelo menos de quatro vezes superior ao de hoje. Como só tenho que pagar duas vezes mais,pode-se concluir que acabo por pagar somente metade da divida. É a lógica da batata mas neste caso corresponde a uma realidade que nos incentiva a deixar de pagar as nossas dividas na expectativa de as pagar em tribunal passados dez anos com uma redução real de 50%. E viva a matemática!
E assim "a gente vai levando",como diz o outro. É a justiça que temos ou que não temos.É a justiça de vidro,tão frágil como este que encontra hoje um local de vidro a condizer com ela. Talvez assim haja finalmente transparência para se descobrir de onde vêem as famigeradas fugas do Segredo de Justiça.

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