domingo, 7 de fevereiro de 2010

PARA ONDE IR ENTÃO?!





*****UMA ILHA NO TOPO DO MUNDO

HÁ UM QUARTO DE SÉCULO ATRÁS FIZ UMA VISITA RELAMPAGO AO SUL DO ESTADO BAHIA. EM PORTO SEGURO ALUGUEI UM BUGGY, ATRAVESSEI O RIO NUMA BALSA RUDIMENTAR QUE APENAS LEVAVA DOIS CARROS E AVENTUREI-ME PELA PICADA A DENTRO.
OS PRIMEIROS QUILOMETROS DA PICADA CORRIAM SELVAGENS PARALELOS AO MAR SEM QUALQUER SINAL DE CIVILIZAÇÃO, CURIOSAMENTE SÃO HOJE A FAMOSA ESTRADA DA BALSA, CHEIA DE POUSADAS E DE RICAS MORADIAS TODAS HÁ BEIRA-MAR, NUMA DAS QUAIS EU ACABEI DE PASSAR UM MÊS DE FÉRIAS.
DEPOIS A PICADA SUBIA POR UMA RAMPA INGREME E PASSAVAMOS AO LADO DE UMA PEQUENINA ALDEIA HABITADA MEIO POR BRANCOS E MEIO POR INDIOS. FUI ENTÃO INFORMADO QUE A MESMA SE CHAMAVA ARRAIAL D’AJUDA E PORQUE NÃO TIVESSE INTERESSE ALGUM SEGUI O MEU CAMINHO PICADA FORA. ESTAMOS A FALAR DO QUE É HOJE UMA GRANDE VILA QUE ME SERVIU DE SUPORTE NESTE MEU MÊS DE FÉRIAS, COM O SEU SUPERMERCADO CAMBUÍ, A FEIRA PERMANENTE DE ARTESANATO A PRIMEIRA RUA DAS LOJAS A QUE CÓMICAMENTE FOI CHAMADA DE “BROUDOEI” E A GRANDE COQUELUCHE A RUA DO MUCUGÉ ONDE SE INSTALARAM AS LOJAS DAS MELHORES GRIFS DO BRASIL.
CONTINUANDO A MINHA AVENTURA CAVALGANDO NO VELHINHO BUGGY PELA PICADA ESBURACADA E ENLAMEADA, SEMPRE PELO MEIO DA SELVA SEM QUALQUER CASA OU FAZENDA À VISTA AO FIM DE MEIA CENTENA DE QUILOMETROS CHEGUEI FINALMENTE AO MEU DESTINO:
“TRANCOSO” – UMA ILHA NO TOPO DO MUNDO!
UMA ENORME PRAÇA RELVADA DENOMINADA DE “O QUADRADO”, QUE MAIS PARECIA UM ENORME CAMPO DE FUTEBOL, ERA LADEADA EM AMBOS OS LADOS POR UMA SEQUENCIA DE CASAS QUINHENTISTAS, TODAS PINTADAS COM CORES GARRIDAS E FOLCLORICAS. NO TOPO DA PRAÇA ERGUIA-SE IMPONENTE UMA IGREJA/HERMIDA TODA BRANCA QUE CERTAMENTE TERIA SIDO CONSTRUIDA PELOS PADRES MISSIONARIOS QUE ACOMPANHAVAM AS NAUS DE CABRAL.
ATRÁS DA IGREJA UM ENORME PRECEPICIO FAZIA-NOS COMPREENDER QUE TODA A ALDEIA FORA CONSTRUIDA NUM “PLATEU” NO MEIO DE UM PLANALTO QUE ENSIMAVA O ALTISSIMO BARRANCO. LÁ EM BAIXO PODIA-SE VER AS AREIAS DOURADAS DE UMA PRAIA DESERTA, ONDE DESAGUAVA UM PEQUENO RIO QUE SERPENTEAVA ATRAVES DO MANGUE INUNDADO, FAZENDO LEMBRAR O RASTEJAR DE UMA COBRA-CAPELO. OLHANDO PARA NORTE VISLUMBRAVA-SE O VERDE QUASE ESMERALDA DA FLORESTA VIRGEM QUE IA MORRER NA PRAIA DOURADA, CUJA LINHA DE COSTA PODIAMOS SEGUIR QUASE ATÉ PORTO SEGURO. EM FRENTE O INFINITO DO AZUL DO CÉU. ATRÁS, “UMA ILHA NO TOPO DO MUNDO”. NO FINAL DOS ANOS SESSENTA QUANDO ACABA O GRANDE MOVIMENTO IEPY QUE REVOLUCIONOU TODA AQUELA DECADA, OS MAIS PERSISTENTES QUE SE RECUSAVAM A ABANDONAR O FLOWER-POWER A CORTAR O CABELO E A TIRAR AS FLORES DO MESMO, PROCURARAM DESESPERADAMENTE O ÚLTIMO REFÚGIO QUE LHES SERVISSE DE SANTUÁRIO, DESDE OS ALTOS PINCAROS DE CATMANDU NO NEPAL ATÉ ÀS FLORESTAS BRASILEIRAS. DAÍ A DESCOBRIREM A PITURESCA ALDEIA DE TRANCOSO, PERDIDA NO MEIO DO MATO E HABITADA APENAS POR INDIOS SEMI-ANALFABETOS FOI INEVITAVEL.O EXODO INICIOU-SE DE IMEDIATO NO PASSAR DAS PALAVRAS QUE SEGUNDO BOB DYLAN “LEVA-AS O VENTO”.
DEPRESSA OS PEQUENINOS INDIOS SEMI-NÚS E COM O CORAÇÃO DO TAMANHO DO MUNDO, VIRAM A SUA ALDEIA SER INVADIDA POR HOSTES DE HOMENS GRANDES, CABELUDOS E BARBUDOS, LOIROS E DE OLHOS CLAROS, BEM COMO ELEGANTES MULHERES AMARELAS DA CABEÇA, TODOS COM O CABELO ENFEITADO COM LINDOS COLARES DE FLORES, O CORPO COBERTO DE TATUAGENS COM SIMBOLO DA PAZ À MISTURA COM A PORCARIA DE QUEM JÁ NÃO TOMA BANHO HÁ UM ANO, VESTIDOS COM JEANS SUJOS E COÇADOS E COLETES DE CABEDAL BEM VELHINHOS.
O CHEIRO DA MACONHA PASSOU A DOMINAR TODOS OS AMBIENTES E TODAS AS CASAS QUE AOS POUCOS FORAM VENDIDAS AOS NOVOS INVASORES POR UMA TUTA-E-MEIA MAS QUE PARA OS POBRES E DESGRAÇADOS INDIOS REPRESENTAVA AUTENTICAS FORTUNAS. ESTES FORAM CONSTRUIR À BEIRA DA PICADA NOVAS CASAS DE COLMO À MANEIRA TRADICIONAL, CRIANDO ASSIM UM NOVO BAIRRO A QUEM IRÓNICAMENTE CHAMARAM DE LIBERDADE.
A NOVA COMUNIDADE QUE ENTÃO SE CRIOU NA ALDEIA ERA COMPOSTA POR YEPYS “REFORMADOS” ORIUNDOS DAS MAIS DIVERSAS NACIONALIDADES. ALGUNS CASARAM-SE OU JUNTARAM-SE UNS COM OS OUTROS, E TIVERAM FILHOS ARIANOS, LOIROS DE OLHOS AZUIS. OUTROS PREFERIRAM OS CORPOS MUSCULOSOS E SUADOS DOS INDIGENAS OU AS BELAS CURVAS DE PELE SEDOSA DAS INDIAS, E TIVERAM FILHOS MESCLADOS. UNS ERAM NEGROS DE CABELO LOIRO E OLHOS CLAROS OUTROS ERAM BRANCOS DE CARAPINHA COM O CABELO À RASTAFARI. ASSIM NASCEU UM NOVO “MELTING POT” NUMA COMUNIDADE QUE PROCURAVA VIVER ISOLADA DA CIVILIZAÇÃO QUE SE ENCONTRAVA APENAS A ESCAÇOS CINQUENTA QUILOMETROS DE BURACOS, CURVAS E CONTRA CURVAS DE UMA PICADA QUE SERPENTEAVA PELA FLORESTA VIRGEM, ALGURES NO SUL DO ESTADO DA BAHIA NO BRASIL.
QUASE TODOS OS NOVOS HABITANTES ESTABELECERAM NA PARTE DA FRENTE DAS SUAS NOVAS CASAS COMPRADAS AOS INDIOS, UM PEQUENO NEGÓCIO PARA SE AUTO SUSTENTAREM, UTILIZANDO AS TRASEIRAS COMO HABITAÇÃO.
OS NEGÓCIOS FORAM BEM MONTADOS POIS CADA UM OPTOU PELO QUE SABIA FAZER. O ITALIANO MONTOU UMA PIZARIA, ENQUANTO O FRANÇES UM RESTAURANTE À LA CARTE, O PORTUGUÊS UMA PADARIA E O PAQUISTANES UM RESTAURANTE INDIANO. O PROBLEMA NÃO ESTAVA NO COMERCIO, MAS SIM NOS CLIENTES, POIS SENDO UMA COMUNIDADE FECHADA TODAS AS NOITES ERA PRECISO QUE METADE DA ALDEIA ENCERRASSE OS SEUS NEGÓCIOS PARA SE TRANSFORMAREM EM CONSUMIDORES DOS NEGÓCIOS DA OUTRA METADE. COMO ESTE ACORDO ERA TACITO E NÃO ORGANIZADO NUNCA SE SABIA QUAIS OS RESTAURANTES QUE ESTARIAM ABERTOS. ERA NO MINIMO ORIGINAL!
ORIGINAL ERA TAMBÉM O FACTO DE HAVER UM ÚNICO JEEP TIPO CAMIONETA COMUNITÁRIO, QUE UMA VEZ POR SEMANA SE DESLOCAVA A PORTO SEGURO PARA FAZER AS COMPRAS PARA TODOS OS HABITANTES DA VILA. E FOI ESTA A TRANCOSO QUE EU ENCONTREI À VINTE CINCO ANOS ATRÁS E QUE ME LEVOU A ESCREVER UM TEXTO SEMELHANTE A ESTE QUE PUBLIQUEI NUMA REVISTA PORTUGUESA QUE JÁ NÃO ME LEMBRO QUAL, AO QUAL CHAMEI “UMA ILHA NO TOPO DO MUNDO”.

HOJE A DESILUSÃO É TOTAL. AS CASAS DO QUADRADO TRANSFORMARAM-SE TODAS EM BARES NOCTURNOS ONDE PROLIFERA O ALCOOL A MACONHA E A COCAINA. JÁ SÃO RAROS OS SINAIS REMANESCENTES DOS YEPYS INICIAIS EMBORA AINDA SE VAI VENDO SINAIS DOS SEUS FILHOS HOJE JÁ ADULTOS, NOMEADAMENTE UM BRANCO LOIRO COM CARAPINHA RASTAFARI OU INDIOS OU NEGROS DE CABELO E OLHOS CLAROS. O QUADRADO À PRIMEIRA VISTA PARECE INTACTO POIS FOI PRESERVADO POR UMA COMISSÃO QUE IMPEDIU A CIRCULAÇÃO AUTOMOVEL, AS PRAIAS MAIS PARECEM AS DE OEIRAS E CARCAVELOS EM PLENO AGOSTO, MAS COM O MAU GOSTO DAS CADEIRAS DE PLÁSTICO DE CORES GARRIDAS E PIROSAS. A PICADA QUE SERPENTEIA PELA MATA FORA ESTÁ POLVERIZADA DE POUSADAS MAIS OU MENOS LUXUOSAS. A ALDEIA INDIGENA A QUE FOI DADO O NOME DE LIBERDADE ESTÁ TRANSFORMADA NUMA “ZONA DE GUERRA” ONDE OS COMERCIANTES SE DEGLADIAM ENTRE SI COM OS ESTABELECIMENTOS MAIS PIROSOS POSSIVEIS. OS INDIOS QUE ANDAVAM SEMI-NÚS VESTEM JEANS E T-SHIRTS E PROCURAM TODOS SER ARRUMADORES DE AUTOMOVEIS OU GUIAS TURISTICOS.
MAS O PIOR AINDA ESTÁ PARA VIR: DIÁRIAMENTE DESEMBARCAM DE CAMIONETAS DE TURISMO, QUE EM MEIA HORA DE ESTRADA ASFALTADA VÊM DE PORTO SEGURO CENTENAS DE POPULARES, PIROSOS E MAL VESTIDOS, ARMADOS DE FARNEL EM PUNHO QUE INVADEM LITERALMENTE AQUELE QUE FOI O ÚLTIMO “SANTUÁRIO” DO MEU IMAGINÁRIO.

- PARA ONDE IR ENTÃO?!

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